Flagro meus pensamentos conduzindo uma conversa com você. Sinto que cada palavra que vai se formando em minha boca não foi dita, porque eu a censurei. Havia esquecido desta sensação, de ter a palavra a amargar na boca. Parece uma banalidade eu ter os meus pensamentos e depois criticá-los duramente. Você me causou isso? Acho que não. Sempre tentamos escapar depositando a culpa em terceiros. Foi responsabilidade minha eu não ter dito mais nada. Foi uma escolha que eu enfrentei e recorri, me julgando forte o bastante para as consequências que viriam dela. Também fui o responsável por permitir que você entrasse no meu mundo, sem filtros, sem correções, natural diante do mundo.


Tomar as responsabilidades pelos acidentes que aconteceram depois, fez com que eu me apoderasse também das grandezas que vieram antes. Isto faz eu perceber que meu potencial não é para os acidentes, falhas e erro. Faz com que eu entenda que, sim, meu potencial é para coisas grandes, a queda e o salto. Foi eu quem decidi te aplicar um beijo enquanto você dormia. Mesmo você sorrindo involuntariamente, foi em quem decidi continuar o beijo. E até neste presente momento, sou eu quem percorre as teclas para redigir esta carta piegas que nunca será enviada. Isto me leva a crer que, para encerrar este ciclo de desconsolo, não tem outro sujeito melhor que a mim mesmo.
Foi num dia destes comuns, quando a luz do sol não filtrou seu sorriso, que você decidiu me desejar, me tocar, me abrir. Suas mãos se deitaram sobre a minha superfície e na nuvem entre o desejo e a realização, as minhas promessas acariciaram as tags do teu pensamento. Nadou nas suas memórias as paisagens exuberantes, os rostos felizes e rosados, as atividades satisfatórias e saudáveis; também piscaram na tela os amores alcançados, as conquistas atingidas, a simetria hipnótica dos gatos ou dos bebês; as histórias que não são as suas, mas que eu, detidamente, te pus conectado. Em um beijo macio entre seu indicador e os meus terabytes, você me clicou.

Deixou seus olhos transitarem por cenários perfeitos, famílias arrumadinhas em festejos adequados, amigos sorridentes em festas intermináveis, promessas de apoteoses, de orgasmos infinitos, de inteligência instantânea, de prazer que dura a vida toda… mas eu sabia, sim, eu googlei acerca da minha insuficiência, da falta da imperfeição humana que é minha identidade primária.

Entretanto, eu te apresentei um mundo, deixei que meu poema vertical escalasse a montanha de suas fascinações. Num quadradinho metálico de cores deixei que fluíssem tantas emoções, códigos inteiros de felicidades, aspirações imagéticas, inspirações herméticas, deixei que tudo isso agarrasse suas vontades e te abracei com tanta força, como se fosse espanar todas as tuas ansiedades, teus medos, teus trojans, teus vazios, ausências, perigos. Te deixei seguir os meus caminhos navegáveis, se deparar com uma existência plena; te livrei da solidão que a luz física da noite toca; espanei para a outra janela os seus receios e, sabiamente, coloquei os meus pixéis a serviço de te apresentaram a solução digital de tuas vertigens humanas, das cegueiras dimensionais do inesperado.

E mesmo perante teu silêncio aleatório, fui capaz de expor vidas abundantes, férteis, te tirei do tédio e da solidão transitória. Tudo num calor suave e gratuito. Mas você manteve sua voz inativa, mute de vontades próprias, durante todo este tempo em que acessou o meu universo.

Em silêncio analógico, a descompactar o meu mundo, a playlist de teus olhos se cobriam de cores, frames de alegria, relações sadias com avatares geniais, surfando na interface doce do encantamento e da satisfação líquida.

E agora, após o feed que construímos juntos, desta timeline rica e recompensadora, você quis me deixar por um novo clique ou por uma vida real, banalizada, obrigatória, de respiração contínua, de esforço, de carbono, da poluição, física e tangível, extraída de fenômenos que só habitam fora de minha pele. Veja minha pele! Sinta minha pele! Observe como ela é imponente e reta, o oposto deste conjunto exterior caótico e inseguro. Hei! Não vai! Dorme comigo! Eu te darei filhos sem som, corpo escultural sem dor, aumento peniano, todo triunfo sem sacrifício e te deixarei saber todos os segredos insondáveis, desvendar todos os mistérios que o medo humano evita. Ao invés da sombra geográfica, sempre serei luz. Não! Não vai! Espera! Vou preparar manchetes cativantes! Noticias alarmantes! Imagens envolventes! Gatinhos arrastando-se em um piso de madeira! Bebês! Você será completo. Eu prometo.










Não me despeço eu sei porquê
Disperso em mim, está você.
Tanto amor você deixou espalhado
Dentro das mucosas venenosas da poesia;
Seu doce tóxico verso que me abala o coração,
Que não deixa meus olhos mentirem a cor,
Não pode ser negro. Não pode ser luto.
Não sei estar negro perante tua ausência,
Mesmo porque nunca foi negra a tua presença.

Reparo os brancos cabelos e tua alma tão branca,
Como uma nuvem abraçando-te em um doce dezembro;
E não vejo dor nenhuma, só um prazer, que ora é salgado,
De ter tropeçado em suas palavras,
De ter sido jogado no ventre de teus versos,
No limbo de tua eterna e juvenil doçura.
Desculpa, não me despeço. Não sei dizer.
Disperso em mim, está você.

Bruno Silva



Partir me parece agora uma palavra que deriva de "parto" ou "dor". Estou reorganizando as palavras em seus tristes sentidos, depois de fazer chover o português lusitano em meu varal de português latino-americano. Procuro despir a semântica do meu desejo em permanecer em Portugal até secar as palavras. Coimbra é uma tocha ardente dentro de mim. Fico recolhendo retalhos de quem eu era antes de acariciar os poros das derradeiras palavras, repronunciadas com a boca cerrada. Sinto-me um menino que ligeiramente se esqueceu a mecânica de andar e agora procura alisar o chão como recomeço. Retomba sobre mim a força bruta de recriar meus passos, e sem ter chãos para pisar ou palavras familiares para saborear, me sinto ilhado, como um descobridor de velhas terras. Todas as palavras me parecem suplicas infantis ou dogmas revisitados. Meus pés se enraízam em Coimbra como as raízes de uma arvore penetrada no Jardim Botânico, o joelho sensual da Praça da República. A minha fé pagã, que não é cega, refloresta meu culto ao presente, embora o passado me pareça um bom altar. Partir, que é verbo atuante, sussurra e assopra no relicário de sentimentalidades do meu pesar. Otimista, flerto com o tempo. Sinto no soar do horizonte a charmosa curva que oculta um oceano de novas palavras, envolvidas em novos sentidos. E diante disto, saudade é palavra gasta. Denuncio meu culto ao agora. Só me resta o novo.







Apanhei a caneta das calças
E pensava em ti quando
Escrevi poemas
líquidos, sórdidos, pastosos.

O rijo objeto em minhas mãos,
A deixar rastros de uma tinta embranquecida
Viscosa e úmida,
Salivante.

E alimentando-te de poesia, doce e inodora
Afogavas na boca o falo das palavras
Armadas e em estado de atenção.

A tensão fiel da folha em branco,
Desnudando o prazer de te ter na minha
Boca,
Aturdida,
Com porosas sensações.

Escrevo um poema,
Da página e do chuveiro,
Oro e rogo ao dilema:
Se deixo guardado o que falo
Ou se permito escorrer pelo ralo.

(Bruno Silva, maio de 2014)