Saudade é palavra gasta



Partir me parece agora uma palavra que deriva de "parto" ou "dor". Estou reorganizando as palavras em seus tristes sentidos, depois de fazer chover o português lusitano em meu varal de português latino-americano. Procuro despir a semântica do meu desejo em permanecer em Portugal até secar as palavras. Coimbra é uma tocha ardente dentro de mim. Fico recolhendo retalhos de quem eu era antes de acariciar os poros das derradeiras palavras, repronunciadas com a boca cerrada. Sinto-me um menino que ligeiramente se esqueceu a mecânica de andar e agora procura alisar o chão como recomeço. Retomba sobre mim a força bruta de recriar meus passos, e sem ter chãos para pisar ou palavras familiares para saborear, me sinto ilhado, como um descobridor de velhas terras. Todas as palavras me parecem suplicas infantis ou dogmas revisitados. Meus pés se enraízam em Coimbra como as raízes de uma arvore penetrada no Jardim Botânico, o joelho sensual da Praça da República. A minha fé pagã, que não é cega, refloresta meu culto ao presente, embora o passado me pareça um bom altar. Partir, que é verbo atuante, sussurra e assopra no relicário de sentimentalidades do meu pesar. Otimista, flerto com o tempo. Sinto no soar do horizonte a charmosa curva que oculta um oceano de novas palavras, envolvidas em novos sentidos. E diante disto, saudade é palavra gasta. Denuncio meu culto ao agora. Só me resta o novo.

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