O fino fio do ciúme.

Sinto o sabor de sal em minha boca. O mar ainda parece molhar meus lábios com suas águas agitadas. Gostaria de voltar ao passado. Retomar o dia que ela partiu. O beijo da despedida aconteceu próximo a Yemanjá. Ela queria que alguém testemunhasse seu ato final. Pois escolheu o forte, lá na ponta onde o mar faz a curva, numa cabana bem desgastada pelo tempo. Nosso primeiro beijo aconteceu nessa mesma cabana. Ela é cheia deste negócio de coincidências da vida. Para ela, o lance final ser vivido ali era como encerrar uma fina linha do tempo. O nosso romance estaria acabado caso a ordem das coisas decidisse ser perfeito. Mas as imperfeições são ferozes. Devoram nossas expectativas, estilhaçam os planos límpidos que formulamos.

Nosso romance foi um espiral com dois fios desencapados. Teve seu lado poético e passional, do qual nós fizemos parte enfrentando desavenças, resgatando a paixão do primeiro beijo e, sobretudo, mantendo a chama viva e ardente. Teve também seu lado dramático e este escolheu sua face mais vergonhosa e distorcida para desfilar: o ciúme. O ciúme é uma moeda sem troco. É como a bunda do amor, a parte pornográfica da lealdade ou, como prefiro comparar, o ciúme é a paixão às avessas que expõe a parte interna e escamosa da confiança. 

Pedro, João, Leonardo, Bentinho. Para mim eram todos prováveis nomes do outro, o amante, esta figura diabólica que arrebenta até o laço mais forte da confiança. Bastava eu saber de outro homem participando da vida dela, para acender em mim a mais brava e, confesso, vergonhosa vontade de esmagar um ser humano. Nunca fui violento, mas também nunca fui de meios sentimentos e nem tampouco já corri de alguém que calçasse 42 ou vestisse calças menores que a minha. No meio disso tudo apareceu Lucas, um fedorento rapaz que malhava na mesma academia que ela. Saber que ele existia no habitat dela para mim já era um insulto, uma provocação. Quando então me chegou a informação de que ele havia trocado de horário para espiar minha pequena, foi como um saco de gudes jogados num chão liso. Não mais conhecia o sossego. Para mim, tudo que eu faria era potencial motivo ou desculpa para ela se atirar nos braços dele e testemunhar a forma mais cruel de me ver desmoronar. Era muito amor. Eu mataria por ela. Eu morreria por ela.

Minha pequena também dá nó em pingo d’àgua. Além de provocativa, ela tem a habilidade descomunal e vil de provocar com estilo. Seus gestos suaves, o loiro do cabelo escorrendo-lhe os ombros torneados, a boca como duas uvas pintadas de vermelho, e principalmente, o jeito adoravelmente de mulher formavam gravuras tatuadas em meu pensamento. Perdê-la era como ver perdido um braço, um órgão, qualquer parte vital de mim. E isso me estimulava a nunca traí-la. Nunca.

Quando depois de explodida mais uma briga de ciúme, ela decidiu que nos encontrasse para uma conversa definitiva na cabana. Conversávamos e não chegávamos a conclusão alguma. Em dado momento, em seu respiro mais sincero, me admitiu não só ter me traído com Lucas, como com Pedro, João, Leonardo e todos os nomes comuns que minha mente processava todas as noites antes de dormir. Havia nela a sensação estranha de rebeldia, de glória, de vingança. Pela primeira vez tive o constrangedor impulso de esbofetear uma mulher. Quando ergui a mão formando um futuro tapa no ar, ela segurou fortemente minha mão erguida e olhando meus olhos, disse, pronunciando palavra por palavra num jato: pela primeira vez seja homem e me bata. Nunca mais brigamos. Nunca.

(Bruno Silva - Janeiro de 2012)

1 comentários:

Danilo Moreira disse...

Ciúme é um veneno. É letal para o coração, para a alma e principalmente para a consciência.

Parabéns pelo texto!

Abçs!
Danilo Moreira
http://blogpontotres.blogspot.com/
Ponto Três - 3 anos!