A Alma dos Leitores

Jovem_leitor_02 Tinha a emoção de uma criança perturbada. Não conseguia aquietar sua natureza e não parecia fazer esforço algum para tanto. Naquele dia, em particular, chorou cachoeiras de lágrimas por ter se perdido mais uma vez na fluência de seus próprios caminhos. Estava perdida dentro de um paradigma emocional que a deixava desconcertada, infeliz e levemente indisposta a viver.

A sua alma caminhava por um tortuoso caminho do qual não se orgulhava. Seus pés exageradamente martirizados engoliam o chão com inquietantes passadas. Ela parecia um objeto de borracha disposto a ser o que o destino propusesse. Sem conseguir enxugar os pensamentos e dirigir-se a lucidez, deixou-se encher de angústias e sofrimentos.

Fechada no seu canto e repleta de solidão, era a única maneira que ela experimentava seu próprio transtorno. Pegou um livro da sua cabeceira e começou a folhear em silêncio como se pedisse a Deus um verso para apascentá-la. Viu o relógio e marcava Dezessete horas. Constatou no reflexo morno do relógio, a figura de uma menina que se queria mulher. Alisou os próprios cabelos com assombro e satisfação.

Arregalou os olhos e aprofundou em sua própria imagem que ria com certa hostilidade de si mesma. Virou-se para o livro novamente, e abriu as páginas com velocidade num capitulo que dizia muito em poucos versos. Chorou meticulosamente, como se lágrimas alisassem sua face com uma sutileza apostólica.

Embriagada pelas decisões que nos escolhe, ela deixou na voz dos versos que lera, todo potencial de alternativas. O livro definiu os caminhos que ela deveria tomar. Sempre disposta a seguir o livro de sua cabeceira, a menina dos olhos preciosos e voz angelical deitou-se na borda da cama e desistiu de sua própria vida. Entregava ali a sua alma ao autor do livro. A menina dos caminhos traçados, que era metade sacrifício e metade obsessão, resolveu não esquivar-se de sentir as suas dores. Segurou o livro comprimindo-o contra o peito, olhou para o teto e sorriu febrilmente para suas convicções. Era, enfim, plena.

Bruno Silva

*Este conto será publicado no volume de escritos intitulado de “Intimidade Entre Estranhos”.

1 comentários:

Rodrigo disse...

e áí, Bruno!
Gostei muito do blog... e mais ainda desse texto!
Afinal, como leitor, é fácil entender o que se passou com essa menininha...
Quantas vezes perdemos a noção das horas lendo, totalmente entregues aos livros?

abraço! e bom restinho de semana!