noites e delírios

chuva_gif Um rapaz assobiava na beira da estrada de pedras. Reflexivo feito um jovem que volta de uma de suas noites mais delirantes. Estivera com ela. Nem foi o coito o motivo de sua vibração, foi ela, sensual em seus olhos verdejantes insinuando-lhe um olhar carnal e que dizia muito. Tudo. Infinitamente tudo. Era uma proposta de casamento aquele olhar. Mentira. Tava mais pra uma promessa de noites enluaradas até o firmamento, ao seu lado, cheirando-lhe a pele. Uma moça, completamente desvairada, caminhando pela Rua das Flores em plena madrugada. Ela era uma figura iluminada, nua e frondosa em sua inocência. Ele era só adjetivos. Todas as palavras do universo oferecidas à moça nua, que andava e cantarolava por aquela ruela amarelada e bucólica. Fez-se a madrugada, uma cúmplice do casal.

Acordei, dias depois, com um sopapo do vento. A moça nua era um delírio. Já me encontrava encostado na mesa do bar, vacilante, papeando com um amigo daqueles que você pode sonhar, ele pensa que você está ali. “esse meu amigo anda reflexivo, pensante, quase melancólico às vezes, por isso calado”. É um elogio da parte dele, penso. Ele não se aborreceu quando contei que minhas noites não foram entediantes e que eu ainda estava com minhas fantasias. Aliás, me acenou foi um cordial fechar de mandíbulas como quem diz: “prossiga, conte”.

Começo a descrever-lhe a cena dos deuses. A lua enfeitiçada, o pretexto do frio pra se abraçar, da chuva pra se agasalhar com a pele do outro; as mãos se aproximando numa dança trêmula e mesmo assim linda em sua naturalidade; a bebida que acabou e o gelo a restar no fim do copo. Ela apanhava o gelo do copo, tocava-o na língua e dizia, impetuosa em sua persuasão: “te desafio a me tomá-lo”. Eu a puxá-la, encostando meu queixo no dela, numa orgia de sentidos. Seus olhos a fechar, vagarosamente, diante dos meus. Seu súbito choque quando lhe tomei pelos braços e agarrei seu colo. A leveza daquele momento, a boniteza de nossa doçura se misturando, se confundido lentamente.

Meu amigo parou e me disse como quem antecipa a narrativa, ansioso: “e os acontecimentos? Porque o que dizes não custara um minuto”, numa vulgaridade absurda que compartilhamos com estes amigos de copo. Nessas horas, lembro do velho Bukowski, arrastando pra uma frase, toda a estória. Cheia de pontos. Ofegante.

Então eu respondi, atirando as frases: “Abracei-a e jurei no seu ouvido, a eternidade de amor. Ela arrefeceu. Propus um lugar mais escuro, reservado, intimo. Buscamos o casaco e partimos. Andamos alguns passos entre caricias e beijos. Na surdina, os passos e os beijos são um espetáculo solitário e sonoro. ‘A madrugada é mesmo uma cafetina’, disparou ela num surto de genialidade. Acelerou meu peito aquela palavra. Madrugada... Dois passos, e chegamos ao lugar perfeito. Enrolados pela areia da praia que mesmo fria, ardia os sentidos. Uma onda estourou próximo a nós. Beijamo-nos e amamo-nos. Como que pela última vez. Morremos ali, abraçados, desnudos e felizes. Metaforicamente, ... eu acho”.

“E agora?”, disse o amigo. Respondi: “Dizem as más línguas que agora ela passeia nua pela Rua das Flores. Feito um fantasma aos delírios, entoando um canto misterioso. Um fantasma de pele frondosa e cabelos esvoaçantes contra o vento. Seu nome é Ofélia”. Parei e sorri.

1 comentários:

Láisa Sodré disse...

Bruno Silva, a cada dia nos surpreende com a riqueza de suas palavras que ora retratas, nos fazem indagar se verdade ou ficção.Tenho a leve impressão deque suas experiências cotidianas, são enriquecidas e se tornam contos para nossa alegria e devaneio...
Láisa Sodré_http://meme.yahoo.com/laisinhasodre