Fluidos de um ser

Chuva

De Bruno Silva para alguns amigos e um em especial que me fez conhecer o velho escritor.

O corpo é regular, a altura é mediana, outrora era exageradamente pequeno e fino. Os cabelos, cortados curtos, são castanho, nem ruivos e nem pretos. Os olhos, alagados, são profundos e marrons, em alguns momentos convidativos e agradáveis, já em outros frios e agressivos, contudo, se investigados com teimosia notar-se-há um luto. Mesmo sendo muito serenos, fixam-se em paredes descoloridas.

Ele é um pequeno livro de cabeceira. E gosta de sê-lo. Entendê-lo, porém, não é como tomar uma pílula. Compreendê-lo é denunciar a sí próprio. Ele sente-se uma medalha que reflete com um brilho opaco as vitórias do seu dono. Apenas um objeto em exposição, um mero brinquedo de admiração, não admirado pelo que é, mas pelo que representa. Mas mesmo como medalha não se sente condecorador, nem tampouco possui base para seu repouso. Por fora, ativo, alegre e cintilante, sentimentos cravados na carne morna de seu resto, que nada reflete além do que querem ver. Por dentro, entretanto, correm rios caudalosos e misteriosos, que, imprevisivelmente, não sabem seu destino.

Isso, porém, nada representa aos olhos das pessoas de seu cotidiano, que não possuem a capacidade de enxergar pela fechadura de uma porta ofuscada. As gretas reparam todos passando, com despercebimento vigoroso. Os fluidos de seu interior estão represados. Aprisionados em bacias e penduradas em seu coração equilibrista. Ele é um ensaio. Um ensaio para a cultivação de um ser supostamente com mais valia. Um teste das técnicas, um produto que não importa ficar ou não estragado, um produto que é, aos olhos dos que o manipulam, nulo de emoções, nulo de sentimentos. Apenas um metal para ser trabalhado, antes de trabalhar-se com o outro metal, o que realmente tem mais valor. Ele é nada. Apenas um aglomerado de células, a união de vários tecidos. Apenas órgãos. É isso que ele é. É isso que era. É isso que sempre será, até que os órgãos não mais funcionem, até que os tecidos se rompam. Até que as células vazem de sua represa disforme. Mas até lá, até que se destrua lentamente, ele tocará seus dedos convulsos no seio de sua alma, querendo se libertar das cordas do convencionalismo. Querendo lançar-se à autonomia de sua personalidade. É então que ele relembra estar algemado. Algemado ao aspecto que representa. Asilado no corpo figurante que deve constituir. O jovem amigo gentil, sempre a espera de seus três minutos de altruísmo, para se alforriar de si mesmo.

1 comentários:

Evandro Oliveira disse...

Lindo texto...me emocionou!
Parabéns!