Esfumaçando o monitor

digitando Para Graziela de Sá (12/09/09)

Arrancou-lhe, apressado, o fones do ouvido que o impedia de escutar o grito tortuoso da confusa realidade. Dirigiu-se, ainda emergente, para sua cadeira cinza, de rodas gastas e apoio já sinuoso. Ainda com os olhos esfumaçados, adaptando-se ao ligeiro clarão daquele velho e companheiro computador, revirou-se a pensar no que, cuidadosamente, deveria ser dito quando estivesse, enfim, numa conversa de MSN com ela.

O computador demorou a ligar de tal maneira, que insinuava uma pirraça ao revés de qualquer pressa. Aquela preguiçosa delonga espalhava pelo chão toda uma mentira planejada, meticulosamente, a qual iria ser rigorosamente digitada e, por conseguinte, engolida pelo paladar convulso de sua amiga.

Ele definira, ainda enquanto ouvia uma de suas musicas encorajadoras, um roteiro estúpido, porém eficiente para desmanchar qualquer vinculo de amizade entre eles. Por algum motivo que misturado à sua raiva, não apresentava-lhe legível. Porque exatamente ele tinha que reler todas as suas conversas bobas no registro cínico de seus documentos? Não o bastava, tão somente, uma ilusão criativa e bem costurada para anestesiar-lhe a inquietante agitação que algumas palavras relidas ergueram em sua cabeça? Porque não se acostumava com o despautério da menina que sempre se mostrou adversa à aceitação de sua personalidade ou da falta dela?

O Windows ligara e ele não disfarçou sua alegria ao esboçar uma tentativa de risada frustrada, e integralmente raivosa. Romperia, de vez, todo aquele dramático circo de horrores, do qual ele nunca fora mais que um palhaço. Um arrogante palhaço que escrevia patéticas e mesquinhas apresentações para agradar unicamente àquela platéia miúda de uma pessoa só.

A impaciência do Word enchia-o de um ódio silvestre que inflamava, incessantemente, os seus ouvidos, olhos, mãos - desde que ouvira uma maldita música motivadora. Podia ele deitar-se, sem escutá-la costumeiramente, na intenção de adequar, talvez, os seus sonhos à sua eterna vontade de conhecê-la? Porque diabos aquela bendita canção fizera-lhe um efeito tão desfavorável e igualmente intenso, que resultou no sinistro plano de enganá-la a fim de contrariar qualquer absurdo desejo de permanecer posto ali, calado, naquela relação exorbitantemente desarmônica.

Terminou de reconstruir toda falsa verdade com o auxílio ortodoxo daquele processador de texto. Abriu – temeroso – o Messenger que tantas vezes lhe trouxera uma alegria boba ao final de longas conversas inaproveitáveis. Achou-se sortudo por conectar rapidamente àquela imparcial janela. Procurou ainda grosseiro, severo e bravo, o ícone perturbador que ficava ao canto esquerdo da tela, próximo do nome, estranhamente complicado e em ardilosa semelhança à proprietária dele. Ficou imóvel e, involuntariamente, surpreendido quando a vira online. Maquiando a contraversão, abriu aquela janela que tinha pra si no momento, ensopada de rancor. Viu-se perplexo e permanecera assim até que um “oi” tímido dela fora-lhe direcionado. Ainda sagaz, mas quebrado por dentro, ele revidou-a num súbito “olá” indelicado, da espécie daqueles concedidos à revelia. Um “olá” que lhe custara os dedos, pois após digitar as três letrinhas, percebeu-os esmagados e clandestinamente colados nas pontas de suas mãos. Enquanto ensaiava, pela décima quarta e derradeira vez, todo o esquema cuja função era converter os seus dias em dias mais tristes, porém mais prósperos e fecundos, sentiu-se permitido a vestir a angústia da solidão, trancado no seu quarto, apenas com as janelas da alma abertas.

Decidido em colar o texto naquele agonizante momento, um texto da profundeza abissal de águas marítimas, e identicamente infalível, que eliminasse qualquer questão, por achar altamente arriscado não conseguir respondê-la os motivos de sua escolha com a majestade dos fundamentos, era indubitavelmente perigoso qualquer falha, ou uma vírgula mal posta.

O rapaz fitou o impiedoso cursor que vivia a piscar e a lhe agredir. Quando colou, enfim, aquelas letras bandidas, fingiu uma dor no peito antes de confirmar o enter. Mentiu um sofrimento. E quase viu, novamente, uma de suas lagrimas o desafiar. Pressionou o botão, firme, determinado, rígido, demorado... Arfou um último gole de ar – e o prendeu – com a compaixão cristã por seus órgãos. Sentiu o pulsar abalado de seu coração, viu seu pulmão estufar, e traído por sua reação, petrificou-se ali. Gelado como um o corpo sem vida.

Bruno Silva

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