A intimidade estranha dos passantes

22_do--les-passantes-7 Há poucas coisas tão perigosas quanto a abordagem ilegível de um estranho na rua, que passa por você, acena com fúria e você, tonto de susto, responde cinicamente com intimidade e entusiasmo. Numa dessas abordagens pode-se encontrar a figura de um assaltante que lhe rouba repentinamente a atenção ou, no melhor dos casos, um amigo antigo do qual não nos lembramos de supetão.

Essas situações são recorrentes com os outros. No entanto quando acontece conosco não é fácil de lidar e por mais ínfima que seja a procedência é difícil entender por que se acena para alguém cujo rosto parece disforme à nossa captação de memória. Mas é inevitável a reação. Seja ela de espanto, estranhamento ou fascínio. Já ouvi dizer que se pode prever a qualidade de uma pessoa pela forma qual ela se comporta após um susto, de qualquer grandeza. É possível, através desse método empírico, saber se a pessoa é corajosa ou covarde com um simples assalto de abordagem imediata. Os resultados, contanto, são dos mais desagradáveis, já que mais de 50 % da população digere mal um susto e a outra porcentagem guarda um rancor interminável do agente.

O caso é que nos últimos dias tem me ocorrido a frequência de um acontecimento que tem alarmado meus sentidos. Há pessoas desconhecidas que me chamam na rua sem eu ter, no mínimo, alguma memória de sua identificação. Em alguns dos fatos eu tenho reagido de maneira cordial perguntando, numa manifestação desonesta, até como vão os familiares, na tentativa estúpida de a partir dessa informação conseguir descobrir ou reconhecer o sujeito com quem falo.

Não satisfeitos em me estarrecer apenas por isso, houve gente se insinuando a mim com um abraço de amigo de longa data, daqueles que se supõe uma intimidade fraternal. Desajeitado, porém agradável, devolvo o mesmo afeto e gentileza com alegria quase espontânea. Uma garota, cujo nome não me ocorre no momento, de beleza até notável dentro de seu biquíni curtinho me acenou um gigantesco “olá Bruno” com um sorriso frouxo e as mãos balançando aceleradamente no ar. Eu revidei com um riso célebre e, chegando de mais perto – numa tentativa hercúlea de enxergar seus traços não familiares – me foi confirmado que na minha mente havia se quer o esboço de sua identificação. Franzi o cenho e tentei começar uma conversa, diligentemente. Em vão, e como tudo que começa por um estranhamento, terminamos com um breve aceno e deixamos a dúvida emperrada na garganta. ‘Será que a conheço?’, me assalta as ideias.

Pode o leitor achar desnecessário de minha parte a inquietação com diminutos fatos, porém nessa cansativa vontade de interromper essa recorrência interminável, já me foi sugerido inúmeras soluções e dentre elas uma que pra mim é inadmissível: perguntar ao sujeito de onde nós, supostamente, conhecemo-nos. Todavia eu acredito ser uma medida improcedente, uma ação inaceitável visto o tamanho do impropério. Eu detesto ser indagado de tal questão, sei lá, você se sente desprezível ou ínfimo demais para participar do córtex cerebral de outrem. É odiável. Diante disso, não consigo fazer a tal pergunta e prefiro ter a duvida corroendo meu juízo. Por mais que insistam, eu não suporto, por assim dizer, fazer o que não espero receber das pessoas.

Nessa dança irreparável e sofrida de um (talvez) desmemoriado ou de (quem sabe) alguém que foi clonado sem autorização, ou até melhor, (aposto nessa suposição) uma vítima de alguma conspiração dos próprios leitores blogueiros, nessa dança sigo sofrendo lentamente a cada passo. Pode ser mesmo verdade que algum leitor ao se deparar com o titulo do blog, se viu tentado a autenticá-lo. Numa cruzada de amor e ódio, no qual leitores resolvem (bem unidos) fazer jus a tal nome e acabar com a vida mesquinha e sofrida desse pobre autor. Vê se pode?!

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