O chão verde quase opaco do sucesso

Duas garrafas em cima da mesa de madeira. Uma folha em branco. Talvez um cigarro à mostra, embora sem qualquer serventia. Acende o cigarro. Algumas idéias o arrodeia com velocidade. Ele escreve e despreza em seguida. Bebe alguns tragos do liquido. Nada surge da fumaça do cigarro que se acumula no interior da sala vazia. Paredes brancas e frias o envolvem. Nenhuma decoração clichê, além da mesa, papel e garrafa, há livros espalhados pelo chão verde.

De repente uma idéia enfeita seu intelecto. Reclina suas costas na superfície fria da cadeira. Palavras são derramadas como pregos ou moedas no chão, com crueldade e sem sutileza. Para e repara que detesta pregos tinindo em um chão de cerâmica. Se distrai olhando a única entrada de sol do quarto. A janela representa esperança. Esperança de que algo quente e luminoso o aguarda lá fora. Nada de seu corpo pulsa ou aquece uma idéia. A idéia nasce do outro. Do movimento do outro em sua direção. Pensa em chegadas e partidas. Uma lágrima se encolhe dentro de sua íris. Pensa num pai ou mãe distante. De repente, num lapso radioso, sorri. Sorri como quem segreda aos feiticeiros a fórmula do mundo. Rasga novamente o papel rascunhado. Escreve um conto de amor. Rasga.

Escreve uma declaração íntima do universo... fé... religião... rituais divinos... segredos inconfessáveis... pecados. Em seguida se entedia e rasga. Rasga. Rasga. Não escreve nas páginas mas as estraçalha entre seus dedos emporcalhados de cinzas de cigarro e urina. Talvez a própria urina. Talvez não. Cruza as pernas. Pensa em Caio Fernando de Abreu. Evita pensar pois lhe rouba a masculinidade. De pernas dobradas uma sobre a outra, passeia com os dedos na altura dos cabelos até encerrar no queixo frondoso de moço. É jovem. Repara no sinuoso traço de jovem que seu rosto insinua no toque das mãos. Sente uma fremente vontade de atirar jorrões e garrafas incendiadas em carros e monumentos culturais. Isto é ser jovem? Pensa sem refletir. Enfia o cigarro na boca novamente e cospe algo preto no chão verde-agora-temperado-de-cuspe. Pensa em Bukowski, seu pai autor, seu gênio beberão e digno. Se sente mártir de uma causa barata. Novamente escreve. Em seguida, rasga.

Especula escrever um livro, talvez publicar. Escrever é seu maior talento. As páginas em branco, sinais de seu fracasso como escritor, atinge-lhe a idéia. Vai escrever sobre o fato de não escrever. Uma idéia nasce das cinzas. Escreve uma amenidade tosca, cinza e ruidosa. Sua ruína o encara. O cigarro apaga na boca, macha seus lábios. Ele limpa a boca com um pouco de álcool. Seu fracasso espirra no copo já puro. Não, é sangue. Tosse. Novamente rasga uma página em branco. Distraído, mastiga o papel alvo, engole, cospe o chão verde confundido por pétalas brancas de papel. Pega novamente a caneta e escreve sobre um sujeito, duas garrafas em cima de uma mesa de madeira. Uma folha em branco. Talvez um cigarro à mostra... anos depois seu fracasso é premiado e se torna best-seller. Agora sim o fracasso.

Bruno Silva, (04 de Maio de 2012).

1 comentários:

André N. Bueno disse...

E aí, Bruno.

Obrigadão pela presença e pela correção. =)

Bacana seu blog, meu nobre.
Um abraço.