A vida dos pequenos braços

Há um determinado momento em que o silêncio torna-se uma obra bonita e calma. Nestes instantes nascem abismos impenetráveis entre a palavra e o som. Estou em um destes. Penso que minha existência poética se esgotou e o que restara foi a parte carnal de mim. Um lado físico que por muito tempo escondi de mim mesmo nas externalidades. Muito embora, toda minha vida eu tenha conclamado o meu interior, criado altares revestidos de ouro para enaltecer minha personalidade, minhas idéias, minha ternura. Agora em mim um dedo se ergue na altura dos olhos e observo que me exigem o lado mais banal de um ser humano, as ações, o movimento corpóreo de um ser na terra.

Se choro, minha alma não está alagada. Pelo contrário, esta seca. Se rio, tudo dentro de mim é escuridão. E estas ações, todo este atravessar da vida, chega em mim como o brilho de um filme mudo. Uma película muda até comove, sensibiliza, faz rir ou chorar, além de despertar quaisquer primitivos sentimentos. Mas tal filme não alcança os ouvidos. Meus ouvidos estão surdos para vida. Enxergo e vivo como quem não reage aos sons. O som é íntimo. Você pode fechar os olhos e um mundo morrer aos seus pés, mas o ruído invade sua alma sem pedir licença. Não há cílios ou obstáculos nos ouvidos. Os olhos se fecham, se encerram, os ouvidos não, são abertos ao destino e o tempo.

Se sento ao chão, não sinto frio ou calor. Estes apelos sensoriais se tornaram apenas reflexos do mundo. O mundo não invade minha alma, não trafega no meu íntimo. O que acontece chega ao meu corpo e retorna para o mundo, talvez com solidão, sem aconchego, não absorvo, não sinto verdadeiramente nada. É doloroso afirmar isso. Escondo estas idéias de mim mesmo. Mas é a pura verdade. Minha intimidade comigo mesmo está indo de mal a pior. Não me acesso com franqueza. Não sorrio comigo sem pensar porque devo. Esta calamidade que me acomete, parece um dragão devorando uma mata virgem. É com fogo que me vejo encerrar. Sou consumido por chamas estranhas ao meu eu. Chamas da insensatez, da incompreensão. Se não me entendo, não falo comigo mesmo. Então me deito na solidão que se espalha por todo quarto. Tem pessoas conversando lá fora. Há um facho de luz em minha direção, talvez a claridade de um contato físico e humano. Porém, me travo deitado no chão, estas paredes são obstáculos gigantes entre mim e o mundo. Me deixo adormecer, mas o sono não vem. Deliro. Narro o meu próprio sofrimento a mim, para que algo meu se desperte. Não tenho intimidade com minhas dores. Até meus delírios são ouvidos com se fossem enigmas kafkianos. Acordo destes delírios, mas não desperto pra vida.

 A vida se amarrota lá fora. Só ouço passos e vozes. As cores estão se perdendo de mim. É tudo cinza dentro do meu quarto. As paredes estão me engolindo. Alterno entre a certeza de que isso não passa de tédio ou às vezes enxergo um inferno sartriano disposto a me mastigar. Preciso de intimidade. Levanto, desabito o quarto, rastejo até um ente humano. Algo que não seja apenas físico. Vejo uma menina debruçada numa cama, deito com ela, próximo dela, embora não a toque. Resmugo algumas palavras, a garota está imóvel. Talvez sonolenta. Estiro meus braços em direção aos dela. Sinto um toque, minha pele encontra a pele do rosto dela. De repente, o mundo se ilumina dentro de mim. Estou novamente florescendo. Meus frutos são palavras que banham o rosto da moça com quentura e simpatia. Ela acorda, me abraça com seus olhos derretidos, e suas mãos pequenas denunciam sua idade. Tem cinco anos. Então um ruído invade meu corpo e alma, ouço uma voz minúscula dizer: meu pai.
Bruno Silva (17/04/2012)

1 comentários:

André Araújo disse...

Oi Bruno.
Que bom que você encontrou identidade naquilo que eu escrevi.
Li algumas coisas suas aqui e também achei refletido muito do que penso sobre certas situações e cenários.
Espero que continue despejando seus desassossegos por entre estas linhas e que os delírios, ainda que despertos, possam visitar sua poética por alguns instantes.
Vamos trocando algumas ideias sobre literatura!
Abraço.