vinte quatro horas

24 horas O menino deixa-se na varanda, no verde campo.
a mãe, dozes horas seguidas, tricota uma camisa de lã
no alto de sua máquina, com um par de óculos que,
da janela, enxerga todo quintal esprimido por sua miopia.

Em seguida, um fenômeno torna aquele um cenário de crime.
um carro, desgovernado e tristemente vermelho, sobe
o acostamento, entra na varanda, rouba o verde
e espreme o menino no poste, o corpo é deixado ao vento.
vê-se o susto com que a mulher encara os próprios óculos.

o menino jorra,
a mãe espreme nos óculos a imagem de uma tragédia,
o carro, em rubro rutilante, se deforma.
numa fração de segundo, faz-se o fato.

o menino pára, feito o mundo, debruçado no chão.
a mãe, a olhar sem lágrimas, limpa
as lentes dos óculos como quem irá examinar o fato,
bate na máquina e termina de tricotar sua camisa de lã,
por doze horas seguidas.

(Bruno Silva)

0 comentários: