A ideia de saber o que a vida significa para nós por si só já é intrigante e curiosa. Mas, essa ideia guarda uma grande mentira. A gente não sabe que espaço a vida toma dentro de nós. Sequer temos noção de quais sentidos queremos atribuir ao percurso de nossa existência. É um titulo ousado, obviamente, que compõe e ilustra bem o livro que ando lendo. Contos de Jack London: uma desafiante leitura, questionadora e que mitiga os valores, os conteúdos e as aparências que vestimos na vida social.
Era uma das tardes quentes de Dezembro. Estávamos nos dias derradeiros do semestre de meu curso, quando fui seduzido a fazer uma última visita a uma querida amiga. Cheguei. Beijei-a o rosto naturalmente bronzeado. Ela tem um aspecto que nos primeiros segundos já temos a informação sigilosa de que ela guarda um segredo. Há um mistério no seu olhar que visivelmente nos desmantela. Pediu pra entrar, o fiz. Pediu pra sentar, o fiz. Não se podia dizer “não” àquela voz doce, terna e, ainda assim, imperativa. Respostas negativas apenas bem acompanhadas de justificativas convincentes. E foi lá dentro e fora à procura de um embrulho, retirando de dentro da sacola um livro e solicitando uns minutinhos. Sua pressa não era aparente, mas eu sabia que ela estava pronta pra viagem e a qualquer momento seríamos interrompidos. Enquanto eu examinava suas reações, ela escrevia algo na folha de capa, uma dedicatória bonita, autêntica e sinceramente adequada. Fez-se os dez minutos como que apenas 10 segundos fossem; mantinha um olhar na minha direção, me entregando o livro e selou-me com um beijo. Agora já portara um ar de tristeza daquelas de quem se sente impedido de elaborar uma melhor dedicatória. E a superfície encheu-se de tristeza. Mas a entendi, gesticulei positivamente e agradeci, me desmontando todo. Afinal, quem não se desmancha quando recebe de surpresa um livro que promete ter sido feito pra você? Enrijeci de alegria e fui folheando pelo caminho, ainda atônito, o livro que recebera.
Em sua dedicatória dizia algo como “estarei de olho, e se permitir, estarei ao seu lado” Numa infinita ambigüidade. Ela dizia estar de olho como quem promete cuidados ou seria uma frase doce pra dizer que severamente estaria espiando meus deslocamentos ideológicos? Nunca saberei, isso me alegra.
Jack London, pode-se saber logo nas primeiras linhas, foi um jovem que aos 40 anos se suicidou com doses letais de morfina. Nas próximas linhas poderá o leitor antever os motivos de sua descrença na existência. Ainda assim, parece extremamente apetitoso, tanto quanto perigoso, perseguir a mesma trajetória. E nada melhor pra saber de onde nasceu o desejo de suicídio do que começando o primeiro capitulo que carrega nome homônimo ao titulo dessa crônica. “O que a vida significa para mim” é mais que uma reveladora fatia desse comovente livro. Nele conhecemos um jovem idealista, se descobrindo socialista, e com uma fé interminável no ser humano. Repleto de renúncias e martírios, introspecta nas qualidades do espírito que busca um sentido para continuar vivo. Busca entender razões mais significativas para além do próprio estômago. E acaba por deixar bambo o sujeito que se encarrega da leitura, “à beira do desastre” - como diria um amigo - entre precipícios.
Essa é uma qualidade intensa e curiosa dos livros. O questionamento inicial, a invocação de um sentimento de dúvida, e a devota vontade de nos fazer perguntar, sem resultar em respostas imediatas ou clichês vencidos: “o que a vida significa para mim?”. Cabe ao leitor não responder, mas refletir.
1 comentários:
Eu abraço o final do texto: “o que a vida significa para mim?. Cabe ao leitor não responder, mas refletir." Acredito muito mais no percurso do que propriamente na chegada, se é que se chega. Acho q crise de sentido nao tem muito a ver com respostas fechadas, mas desesperanca por nao haver questionamentos essenciais...
gilSon alvess
gilsonalvess.blogspot.com
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