“Não analisa não”, dizia um deles quando era levantada uma proposta de fazer algo que, ao ser analisado, traria péssimas expectativas. Era uma palavra de ordem, uma espécie de lema que comandava o destino dos três amigos, diante do qual nenhum obstáculo se sustinha. Era um compromisso de honra: não analisar, porque do contrário surgiriam problemas, esmiuçariam motivos, previam-se conseqüências, nenhuma atitude seria possível, a vida perderia a graça.
De posse dessa lição que pode ser achada na página 80 do livro homônimo ao titulo da crônica cujo autor Fernando Sabino tenta, de maneira desordenada, amaciar o intelecto na incansável busca de sentido para frágil existência do ser humano. Obviamente falha, como qualquer outro livro destinado a tal fim. Clarice Lispector teceu comentários a respeito da obra, entendendo-a como uma história subjetiva, filmada na luz de rua, e de uma sofisticada literatura que se agacha justamente em faltar com as palavras gloriosas a que a literatura se dispõe.
Na ultima crônica havia eu convidado o leitor a reunir coragem na missão de se perguntar qual o sentido de sua vida. Justamente para hoje desdizer tudo que disse, constatando que não há sentido nenhum que julgado suficiente possa cobrir todo o oco de sujeitos consumidos por uma leitura como essa, tão visceral e revolucionária, não sendo possivel vê mais os sentidos como uma proposta a perseguir. Talvez a revolução esteja amparada no simples fato da juventude se achar forte, destemida a cumprir a maior tarefa de homens que como eu, se debruçam a realizar: descobrir um sentido feérico que ocupe todo vazio que sobra depois de ler Sartre, ou até de abrir o biscoitinho da sorte no Orkut e encontrar lá uma razão que funciona para os outros, mas que para você parece mero clichê sociológico.
Moças e rapazes que querem aprender a fazer alguma coisa daquilo que a humanidade imprimiu ao seu destino, desde antes do ventre, como se faz a um predestinado. Estaremos todos predestinados a preencher o lugar de maridos e esposas que aguardam seus parceiros após uma cansativa jornada de trabalho?
As palavras e os discursos se misturam como num espumoso caldeirão. O recipiente da existência que acumula além da sujeira do homem lobo do próprio homem, carrega consigo a poesia alastrada entre os canteiros das ruas; na senhora que carrega a sacola de pães pra casa; no rapaz que assobia desavisado de que a vida é um peso a se sustentar. Sem suposições ou teorias, as palavras e os discursos que se misturam nas ruas, entre a multidão ignara ou enganada, não é muito diferente desse nosso recipiente autoconsciente e falsamente intelectual. No fim, queremos sobreviver e apenas. Ter filhos e apenas. Escrever um livro e apenas. Resta Nietzsche proclamar, em toda sua filosofia encarnada puramente por ele: Ou filhos ou livros. Como se na vida, só existissem dois caminhos. E há sempre um mais largo que o outro.
Encontro Marcado é uma brasa viva a nos queimar e nos retirar a pele. Nele não há certezas que durem mais que um parágrafo. Nada vale nada, tudo é precário, equivoco, contraditório. O questionamento é decisivo, sincero. Não apenas lê-se Fernando Sabino, vive-se, olha-se com seus olhos emprestados, rejeita-se o sangue espirrado que jorra lá fora, e busca-se introspectar dentro da alma, distante de tudo, de todos, até mesmo de si, de suas vontades, de suas razões, para, na agonia do sentido e da direção, desvendar que há homens que não precisam de sentido, porque para eles o futuro não existe. Talvez seja isso: o amanha realmente não exista. Talvez Renato Russo estivesse certo. E todos, absolutamente todos, estejam errados. Nascemos para morrer. Não nos resta certeza mais afiada. Nessas horas, sobra-nos dizer: NÃO ANALISA NÃO.
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