Ossos Estalados

dor De repente ele era só carne, osso e pensamento. A voz com que indagava a si mesmo, aquela voz tão pouco suave com que se enxergava e se exigia, foi, velozmente, saindo de si e depositando-se sobre o ar espesso de setembro. De repente havia saído de si e estava numa praça, ou numa rodoviária a inquietar os vizinhos da existência. Falava como quem pertence a um país cuja língua mal se entende, falava complicadamente as coisas mais singelas do mundo, falava de amor, na sua linguagem entorpecida e atada.

Dois minutos depois, o menino que era só carne, vestido apenas de idéias, encontrava-se rodeado por pessoas que o olhavam com exagero, pavor, ou algo que fizesse os traços do rosto de asseverar, descaracterizados. Meticulosamente, uma garota se aproximou como quem reconhece a verdade, ou melhor, como quem se vê, completamente nu, no espelho da vida. A menina que tinha olhos repuxados, cabelos solares e vívido sorriso, resolveu abrir mão de sua timidez para trocar alguns olhares e palavras com o rapaz, desfigurado, exposto ao ridículo da humanidade.

- não te passa a idéia de que você faz medo a todos? - disse, taciturna, quase engolindo a vergonha.

- o que há de vergonhoso em ser humano? Em ser gente, cheio de crueldades e ruínas? – respondeu não respondendo.

- algum de nós se abaixará pra empossar a resposta na palma da mão? Ou ficaremos a nos perquirir, igualados, nem questionadores e nem capazes de parir uma resposta sequer?

- duvido que eu ou qualquer um desses nos agachemos para responder qualquer coisa com sinceridade. Nada de mim se propõe a resposta, mas sim ao vacilo, aos rabiscos, aos dejetos.

- menino de sorriso mudo, alegra-te pois a vida é desejosa de ti. Vejo nos seus olhos a lágrima do mundo, o nó na garganta de quem não caiu no choro por piedade, por vontade de no mundo, não causar guerra. Olhastes pra dentro de ti?

- não tenho feito outra coisa na vida, menina de singulares palavras. Na verdade, o que busco aqui, enxaguando publicamente minhas indecisões é me secar de mim, e, despoluído de ser, aperceber o mundo.

- entendo, menino de voz roca de cansaço. Pra enxergares o mundo, no entanto, deverias deitar e dormir, e dentro de ti, no mais belo dos sonhos, ver-te nele. Abraça-te com força, e no apego de seus braços sinta a pele e os sentimentos do mundo. Dentro de ti sacode um mundo repleto e vivo.

De repente, ele era só carne fatigada, ossos estalados e pensamentos andantes. E todas as palavras do mundo emudeceram. Todos os olhos se fecharam. Tudo se fez novo dentro do menino cuja língua mal se entende num dia qualquer de setembro.

(Bruno Silva)

4 comentários:

Anônimo disse...

Talvez seja essa mesmo o nosso real desafio. Abraçar-nos e nos devolver a nós mesmo o mistério de ser gente.

Acho desnecessário dizer, mas amo esse jeito que tua literatura me abraça lento, singelo e tranquilo. Gosto disso.

Beijos!

Anônimo disse...

Talvez seja essa mesmo o nosso real desafio. Abraçar-nos e nos devolver a nós mesmo o mistério de ser gente.

Acho desnecessário dizer, mas amo esse jeito que tua literatura me abraça lento, singelo e tranquilo. Gosto disso.

Beijos!

Anônimo disse...

Muito bom! De verdade *-*
Dá uma olhada no meu blog e diz o que acha =D
http://umminuto-parapensar.blogspot.com/

Dαiαne ஐ disse...

Fazia tanto tempo que quase
permiti-me esquecer o
quão é bom viajar nos teus
enunciados... vi-me encerrar
a leitura com os olhos marejados! rs