Traição e filhos: a literatura imita a vida.

a-deriva-05g Dr. Breuer vive um dilema em Quando Nietzsche Chorou: contar ou não contar a seu amigo Sigmund Freud sobre sua amante. Contar significaria presenteá-lo com o peso de uma confidência a ser escondida dos ouvidos dóceis de sua esposa, Mathilde, e tornar a amizade dos dois insuportáveis.

As mesmas alternativas se apresentam em À Deriva, de Heitor Dhalia (O cheiro do ralo). Retrata a vida de uma jovem que guarda em segredo a traição de seu pai, por medo de provocar com isso a ruptura de sua família. A obra conta a história de uma família maltratada pelos círculos de mentiras que as envolvem. O marido, vivido pelo ator francês Vincent Cassel, é um escritor que mantém um relacionamento paralelo. Ele não desconfia que sua filha mais velha já saiba da situação e guarda em segredo, o fardo dessa informação. Esse sigilo todo para proteger sua mãe, estrelada por Débora Bloch, que por sua vez (e só no fim descobrimos isso) estava apaixonada por um de seus alunos... (sobem as notas de piano).

Uma separação lenta, coisas que se quebram e que, infelizmente, não são possíveis de recuperar. São assim que os melhores casamentos são desfeitos. Os sentimentos vão se desgastando: ela não mais consegue deduzir os pensamentos de seu companheiro. Porque as boas esposas conhecem a cabeça de seus parceiros. Já ele anda inconscientemente áspero até nas mais bobas circunstâncias. Um jogo de abrir feridas. Feridas, muitas vezes, irrecuperáveis.

O menor tempo com a parceira é equivalente a aventura de pisar em areia movediça. Juntos percorrem, sem confiança alguma, o plano dos relacionamentos que não sobrevivem aos relevos sinuosos. O piso vai cedendo até não suportar nem mais um passo. Seguem eles dançando a canção derradeira. As teclas do piano vão se amarelando, desgastados; os dedos amarrotando, pesados de tanto bater na mesma tecla; os ânimos, esses vão aprendendo a se ignorar. É chegado o fim. Fatalmente. Finalmente.

Ela fuma um cigarro e separa os próprios cabelos castanhos, pensativa. Devolvida ao olhar distraído com que a vida lhe beija. Dói. Delira com as previsões da vida sem ele. Ele todo cheio de pluralidades para não pensar nela. A mãe de seus filhos. A única que durou tanto. E durou tanto com tanto amor. Sente a perda. Mas é o fim! Deve-se superá-lo, reza o senso comum.

E os filhos? O que fazem eles nessas horas? Aprendem como engolir as centenas de lágrimas que as circunstâncias lhes provocam. Desdizem as verdades. Enganam-se com a mentira do casamento que aprenderam a compor. Tentam fazer com que nada seja mudado. Está tudo bom, acreditem, somos felizes! Mas nada estava, nem está, bom. Era tudo um impressionante engano. Eram felizes apenas na frente dos filhos. Mais uma história da carochinha que contaram para os seus. Os filhos perderam os detalhes para assistir o fim e não querem ver os créditos subindo. Tarde demais. A mocinha e o mocinho não ficarão juntos. É a vida e os seus requintes de malvadeza.

Nessas horas vale encontrar vilões, culpados, coisas do tipo? E se a resposta fosse sim, esses vilões devem ser culpados como? Alienação parental: a mãe fala mal do pai pros filhos lhes transferindo toda a carga de ódio. É o roteiro mais comum, mas nem sempre é assim.

Houve um caso que preencheu meus olhos dia desses. O retrato de mais uma família devastada por esse motivo. A peculiaridade é que os filhos, antes tão afetuosos ao seu pai, nos dias presentes não conseguem encará-lo nem de viés. O antigo herói da infância. Ele que ajudou em toda educação e em algum momento vacilou com a família. Embora tenha se mostrado arrependido, os filhos não superaram o acontecido. Eles acompanharam de perto a dor da traição. A mãe chorava muito. Quase faltava alimento em casa. A raiva foi consequente. E mesmo sem a mãe tê-los enchido a cabeça, seus pensamentos inadmitiam ter aquele estranho como pai. No fim é isso? Pais e filhos tornam-se estranhos? A dor não pode ser reparada? Nada pode ser compensado? Às tantas perguntas eu arrisco uma resposta pronta, preguiçosa, embora prudente: a cada cabeça uma sentença.

Pode o ser humano arrepender-se de suas traições e restabelecer o afeto após tantos danos? (o maestro suspende rapidamente as mãos pedindo ao coral - de leitores - que encham o palco com seu cântico).

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1 comentários:

Gilson Alves disse...

Há algum tempo não passava por aqui.. Mas como já é de costume, sempre me surpreendo com os textos do Bruno. Gostei do layout inverno, ele muito me agrada! Desejo lembrar também que o autor desse blog me deve uma composição... O meu blog espera ancioso pelo seu texto! abraço