Heróis e princesas

De repente fui varrido pelos segredos sua imagem. Aquela garota que deixei anos atrás, enquanto eramos namoradinhos, deu lugar a um raio solar belo e quente. Naquela época eramos duas crianças surpreendidas e as vezes admiradas pelo mundo, trocávamos muitas carícias, ingenuas de sua parte - já nem tão inocentes da minha. Minha curiosidade pelo seu corpo nascia naquela época. Embora agora que finalmente fui exposto aos mistérios de tua imagem, já crescida, seus traços infantis extintos, teus lábios mais confiantes e rosados, esta curiosidade urgia em ser saciada.  

Num bar qualquer, ao te ver, vesti a coragem dos adultos e chamei teu nome. Você me olhou com frescor, numa curiosidade particular, numa altivez que me impactava ainda mais quando seus passos escolhia minha direção. Nos recebemos com a mesma intimidade, e horas depois, graças a deus e a tequila, estavamos deitados, envolvidos, olhando o teto, sua mão comprimindo a minha no lençol e o ventilador incansável em nos reparar.   

Ao teu lado eu resgatei a criança que fui, o olhar paciente que eu dava as coisas, a doçura com a qual eu levava meu dia, os sentidos aguçados, as cores espalhadas pela vida. Todo meu tédio de adulto foi permeado por sua natureza solar, as curvas de seu rosto e suas palavras, tão poucas, mas tão nuas. Então você sorriu enquanto eu deslizava as mãos por seu pescoço e deve ter percebido que minha fascinação por ele não havia se perdido dentre os brinquedos infantis. E este seu sorriso me fez perceber a quanto tempo eu não provocava um sorriso com as mãos. Então meu coração umideceu. Quis sorrir pra você. Até tentei teatralizar alguma coisa, explicar o passado com histórias e justificativas, e você foi clara em dizer que estas conversas não teríamos na cama. Então eu cai no chão, num golpe teatral. Você sorria sem parar.  
Já éramos as duas crianças que fôramos. Eu estava só de cueca rolando no chão, tentando alcançar seus pés com meus aviões imaginários, e você então espalhou seus cabelos pela cama, naquela perplexidade juvenil e imitou Kevin, com as mãos no rosto, olhando pra o espelho, boquiaberto, naquele filme das tardes que tanto nos fez feliz. E então você me olhava e nos devolvíamos aos encantos secretos da maturidade. Os heróis e as princesas deram lugar a um desejo, fremente e doce. Foi quando eu guardei o valente coração de menino e você escondeu no seu armários as bonecas e as dúvidas, e nos beijamos. Como nunca. Como sempre, de agora em diante, será.

Bruno Silva


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