Amores Brutos


 O amor avassalador de Tristão e Isolda
"Por um longo tempo busquei a tragédia, o drama, a dor brutal para compor. Ela sempre esteve lá, embebida nas memórias, nos pequenos traumas, implícita nas falas desencorajadoras da infância. Fui sempre fiel a esta emoção, a dor, a culpa, e diante de mim passaram tantas outras energias criativas. Deixei a dor compor por mim, me abstive das alegrias, da ironia fina que cortava tudo quanto eu tocasse. Com o meu coração esmagado, formei frases especialmente tristes, bagunçadas em desaforo e agonia. Até o amor, que eu sempre cultivei, deixava de lado ao tomar a folha e a caneta. Então num belo verão escapei deste destino. Senti uma brisa avizinhar meus ombros, deixei escorregar o fardo, interrompi o blues, abracei com força a palavra amor. Nada acontecia igual após esta descoberta. O amor é como uma canção de uma nota só, capaz de consolar, de estarrecer, de emudecer estrofes, grandioso em caber um mundo de historias dentro dele, ainda que pequeno em suas pretensões. O amor nos presenteia com o mundo. Numa manhã acordamos meio proprietários conscientes do mundo, enfeitiçados pelo impacto que uma folha produz no chão. As adversidades desaparecem. Os nossos vôos fazem maiores distâncias, nossas esperanças nesta altura já são incompactáveis. A dor é boa. O amor é a dor boa. A que brutalmente desfacela os maus sentimentos. A dor proveniente do amor é como a picada de uma vacina. É a criança que ao se divertir o dia todo, percebe na ponta do dedo um pequeno coágulo fruto de sua aventura. É uma dor que vale, talvez a única. Não há amor sem a dor desmanchosa. Tristão e Isolda servem de testemunho e testamento deste destino. Uma trajetória calma e aliviada não nasce do amor, da compaixão talvez, da indiferença com certeza, mas do amor não. O amor é o abalo. É um pacto entre deus e o diabo. É uma trégua. Um acordo. Uma corda. Só se pode ter o amor, quando se esta pronto em recebê-lo, não ter medo de maus desfechos, acreditar na eternidade, talvez até crê em deus ajude, ou numa planta carnívora sagrada. Pois o amor é filho do sagrado. É a única fruta que não podemos deixar de comer deste jardim secreto que é o mundo. O amor e seus efeitos estremecem então a razão. O mau e o bem começam a existir. Apesar de que o amor os confundem. Os tornam mais próximos. E abraçar o mau, diante do amor, tem o perdão automático de todos os deuses. A história do garoto que ama a garota nunca termina. Nunca tem fim. A tragédia pode esculpir um fim narrativo. A crença e a descrença talvez ajam para que o amor se transfigure. Se transforme em paz. Em agonia apascentada. Romeu nunca morre. Sua circulação paralisa, mas seus sentimentos coagulam no imaginário, na memória de todos os mortais. E a morte, esta serpente cuja fome esfacela a todos, não triunfa perante o amor. Sua única opção, enquanto instrumento ceifador da vida, é imortalizar os casais. Assim é o amor. Eterno até que dure."

Bruno Silva

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