O cheiro invisível do amor

E ela se vai deixando seu cheiro nu invadir toda escama do quarto. Teu aroma incrustado em meu corpo é sinal de que o óbvio aconteceu e é crua sentença de que o amor pode ter cheiro invisível. Invisível porque dentro de mim não restou nenhum rastro dela – só claros e odoríferos sinais de que não é amor. Nenhuma centelha minúscula e colorida de um breve, eterno ou aventureiro amor, se vingará. Todas abortaram no meio do caminho. E me vem o pensamento ansiando, euforicamente, por uma delas que me roube mais que tempo e esforço, que não mexa apenas com minha cabeça, mas que revolucione meu estômago. O estômago, não o coração, é a expressão inicial do amor.  Os batimentos cardíacos empenham largadas por diversos motivos, mas o estômago é diferente. Borboletas no estômago é uma hipótese primitiva que relata com fúria e delicadeza que o amor, finalmente, assentou o piso e se instalou em nós. E só o estômago entende o amor.

Pois meu raciocínio não entende o amor, nem sobra um grão Delas para este coração vagabundo avaliar e catar o que for amor e deixar o que não for boiar. Ao contrário disso, restam os monótonos dois rastros femininos, o beijo vermelho tenebroso e vaporizado no Box do meu banheiro e o cheiro – violento, inquietante e incorrigível – que me acusa, lancinante, de hediondo pobre homem e desmerecedor. 

Não evito a relação sem amor. Longe disso. Evito o cheiro em sua porção invasiva, inócua e culposa que exclama, severamente, que não sou amado.  E este cheiro sobra em cada poro corporal e nas palavras que agora borrifo aqui. Só desejamos a indigestão do amor.

Antonio de Mello

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