Só lamento o não ser criança, para que pudesse crer nos meus sonhos.
Fernando Pessoa
Dizem que o amor é cego. Dizem que o amor é uma manhã cheirando a café pronto. Dizem. Dizem. E o que eu sinto é o quê? É uma pressão baixa? Uma dor socada, um cansaço de mim. Como se um trem-de-ferro tivesse me atropelado, atrevessado sobre minhas veias recentemente abertas por mais um, que chegou em minha vida como brisa, e saiu como vendaval. Adoro vendavais. Sempre achei o fenômeno menos tedioso da natureza. Até o nome parece afastar o tédio das palavras. Quando eu era criança, eu confundia vendaval com furacão. E como eu gostaria, naquele tempo, que alguém nomeasse um furação com meu nome. Furacão Helena. Não. As Helenas nasceram para sofrer, penso numa referencia bastante específica de autor. Nunca tive a alma de Helena de Tróia. E se existisse em mim alguma coragem, não era no ato de amor que eu colocava estas fichas.
Todo mundo tem licença poética pra falar de amor. Embora este assunto eu aborde com bastante inospitalidade. Cravo cada palavra neste texto, como um prego numa cruz. Cruz que eu mesmo carrego, pois longe de mim desistir do amor. Prefiro e priorizo ele em minhas ações. Meu sofrível relato dos amores que tive, até os platônicos e imaginários, somaram no meu ser dezenas e mais dezenas de palavras. Os amores que tive, uns poucos foram verdadeiros, outros tantos foram dores e espaços sentimentais que todo ser humano carrega em seu peito. São questões humanas inerentes a qualquer Zé que more na esquina. Deixa eu contar um caso:
Quando eu tinha treze anos, minha mãe começou a mudar o meu jeito de se vestir. Estava me tornando mocinha, menos cores, menos panos. Comecei a ler Adélia Prado. Minha derrota era certa. Li um conto chamado Casamento. Já leu? Coisa linda de se ouvir no assopro dos lábios quentes do amante. Tente ler numa manhã de domingo sob o cheiro de um café amoroso imiscuído ao tempero da canela (Nota recomendativa: peça para que o amante faça o café, tem outro sabor). E então depois que li Adélia, meu mundo era devoção. Queria devotar meus préstimos ao amor. Construir um altar só dele dentro de mim. Feito de ouro, choro e seda. A dor vem do amor ou o contrário? Não sei. Embora estejam intimamente ligadas, nunca desisti do nobre sentimento. Ainda hoje quando visito a cozinha de qualquer casa, sinto logo o cheiro do amor acariciando meu olfato. Tantos amores testemunhados e impregnados nas paredes vlhas destes lugares. Penso num casal de velhos. Ele e ela fazendo uma fornada de bolo. Enquanto ela retira a assadeira do forno, ele repara como os cabelos dela descem dos ombros meigamente. Eles se olham. As suas canelas se tocam. O amor os invade.
Assim dou corda na minha história. Narrarei as dores que carreguei, os amores que conquistei, e a certeza exata de que nunca, mas nunca, deixarei o amor em paz. Me desejem azar no jogo.
Bruno Silva
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