Bin Laden e o espetáculo da morte.

violencia1 Quando eu penso em violência e direito a defesa, me vem o relato simples e intrigante de uma amiga que recebeu um tabefe de sua mãe, antes de ter pronunciado qualquer palavra de confissão ou defesa. Uma tapa que ecoa no seu espírito até hoje - por algo que não fez – e ao lembrar-se disso, ela me conta, traumatizada, e ao mesmo tempo elevando suas mãos ao rosto com doloroso arrependimento de não ter feito o que lhe haviam acusado. Sua mãe não deu a ela sequer a benção de uma suposição negativa. Graças ao ódio promovido pela intransigência. Nesse, e em outros contextos, a violência deve ser repensada, seja em conflitos familiares ou em grandes episódios policiais.

O que se vê no enredo acima são lágrimas decorrentes da falta de diálogo. Um conceito que deveria ser popularizado, discutido em mesa de bar e levado para o nosso cotidiano. Falando em bar, noutro dia, o dono de um me contou algo que merece espaço aqui. Em Aracaju há dezenas de terreiros de candomblé. Até aí tudo bem. Comentava o senhor, que alguns anos atrás havia testemunhado o mais espantoso sacrifício que se tem noticia no solo aracajuense. Numa encruzilhada silenciosa de Aracaju, havia a atrocidade de centenas de carneiros empilhados e apodrecidos, num mar de sangue e barbaridade. Eu acho tão estranho essas coisas. Mesmo quando lia na Bíblia Sagrada a ostentação de um carneiro decorando a porta de alguma casa, simbolizando o processo de purificação perante a Deus, havia em mim mais comoção e estranheza do que devoção. O sacrifício da morte me parece clássico e fatal demais, quando não é a apresentação litúrgica em seu sentido figurado. A morte física é uma entrega irrecuperável. O senhor terminou o relato com a expressão em choque, os olhos acesos e um semblante próprio do mistério das coisas. Me solidarizei e ao mesmo tempo busquei conforto naquele rosto incendiado de horror por saber dessas práticas impiedosas. Senti que não era o único.

Todo conforto, porém, se desmantela quando penso que nos últimos acontecimentos, a morte tem sido glorificada. Morreu um velho oriental de barba, adepto ao islamismo, responsável por um episódio de muito terror nos Estados Unidos. Morreu Osama Bin Laden, e não com o brilhantismo escatológico das mortes clássicas retratadas em Vigiar e Punir, de Michel Foulcaut: crucificado, queimado, despedaçado e seus membros distribuídos por toda a cidade puxados por quatro cavalos, um para cada lado. Morreu de alguns tiros e as balas cravando-lhe a sentença prévia e inapelável de sustar a vida nos mesmos moldes cruéis que o terrorismo utiliza. Mas sobra-nos ter convicção de que a morte de um líder fundamentalista não extingui, finalmente, que essas práticas continuem sendo cometidas, mas, por outro lado, pode até acender mais o ódio fanático de quem mata pra provar que seu argumento está correto.

A morte de Bin Laden, que pode significar a reeleição do aclamado – e pop – presidente dos Estados Unidos, Obama, é também lamentável sinal de que o ocidente ainda precisa evoluir muito pra operar a democracia nos seus desígnios humanistas e humanizadores. Não defendo as práticas terroristas de isoladas facções, nem dos companheiros ideológicos do Osama Bin Laden, porém, se tanto pregamos a prevalência de um regime democrático por todo o mundo, um regime que se diz garantidor das liberdades individuais, do respeito mútuo aos que nos são estranhos, esse regime tem que, no mínimo, mostrar coerência e oferecer aos que viole as determinações democráticas ou a própria dignidade humana, a subordinação de um processo judiciário internacional e esperar que, apenas dele, surja uma resposta ao conflito. E aí sim imputar uma sentença ao condenado, como manda o figurino jurídico dos Estados Unidos da América.

Muito embora, o que vemos nos últimos fatos é a velha e conhecida postura de sair pro abraço, televisionado amplamente como reação de apoio a missão contra Osama. Alegrar-se com o fenômeno da morte do inimigo de forma bárbara – e quanto mais bárbara melhor, pois os detalhes da operação são aguardados com aplausos e louvor, num circo de horrores abominável. Este pode ser um vestígio pra desencadear uma nova guerra ao terror, nascida da violação territorial do Paquistão. A violência e morte são para mim elementos fatais demais pra responder qualquer conflito. Seja na violência da filha esbofeteada sem direito a uma palavra ou no cinematográfico fim do sanguinário Osama - sem ter podido se render – esses fatos não nos prova que há beneficio humano suficiente nas praticas ocidentais que diferem dos países islâmicos, cujos comportamentos nós nos acostumamos chamar de “violações a dignidade da pessoa humana”, mas que parecem peculiares a toda raça humana, indistintamente. Podemos ser cruéis, isso é óbvio, mas escolher não ser violentos é uma decisão, sobretudo, de respeito.

Bruno Silva

3 comentários:

IsmaeL disse...

Ótimo.
Também não gostei que mataram ele
sem nem saberem por parte dele
algum argumento possível, seja positivo ou negativo.
Foram arrombando tudo e executando
O nome disso é assassinato.
Ainda que na operação
tinha uma mulher também
e usaram-na como escudo.
Mas essa informação não tenho certeza, hmmm...

Gilson Alves disse...

São verdade as tuas palavras Bruno. No entanto, nao é de hoje que sabemos qual a forma de "dignidade da pessoa humana" proposta pelo ocidente, na verdade, principalmente pelos EUA... Há uma ideia de "interesses da nacao" e quanto a isso nao há sombra de duvidas que está acima do individuo, da pessoa humana. Lembra da influencia norte americana na America Latina, nos tempos de ditadura? REFORMA NA ONU! Acredito que deve haver uma verdadeira reforma no que chamamos de direitos humanos... Nao sei se vivo para ver isso, mas enquanto nos dobrarmos a "interesses da nacao" ou do presidente para justificar sermos como terroristas cairemos em contradicao. Claro! Justiça! Principalmente em Obama, mas sinceramente nao sei se dessa forma... Como vc mesmo questionou, o que isso vai desencadear???

Maysa disse...

Gostei,bruninho!
É,também me parece que as punições dadas aos delitos hoje ainda se assemelham ao espetáculo ostentador que foulcalt relatava como prática da antiguidade.Há aí a força midiática que "cobra" uma resposta-detestável- a altura do crime,e a solução à mão,instantânea, é morte,que por vezes passa pela "doutrina da dor".Fica evidente a atuação da mídia como legisladora também,uma vez que age com poder-suprapoder- nas decisões dos conflitos mundiais.Cabe nessa circunstância-e mais uma vez- uma nova justificação moral ou política do direito de punir.Até onde vai,né? No caso de Bin Laden,o sensacionalismo foi aquele já esperado ao se tratar das ações estadunidenses da guerra ao terror.Nada me espanta...(feliz ou infelizmente),senão a miséria humana,cada dia mais notável..