Que todas as cartas de amor sem exceção são ridículas não há que se negar. Ao mesmo tempo, quem nunca enviou sequer um bilhetinho embalado por uma sensação quase mística de se depositar naquelas frondosas palavras um sentimento que o papel não absorveu, mas que se reacenderá no receptor, não sabe o que tá perdendo. E não falo isso da boca pra fora. Porque da boca pra fora, o homem quando está caçando, é o cara mais romântico e apaixonado. Na impressão da presa (me desculpem as mulheres) o seu fulano é o homem mais doce da face da terra, perdendo apenas pra Bentinho, o Dom Casmurro que abandonou a prometida carreira de padre, pra se dedicar ao oficio de amar apenas uma mulher, Capitu.
Não se enganem porém se as palavras soarem bonitas demais, enfeitadas demais. Pra mim, a mais bela carta de amor não é uma composição lírica de letras harmoniosamente costuradas umas nas outras, como que balões flanando alto no poente. Cartas de amor precisam ser simples, certeiras e dizerem, com muita paixão, um eu te amo caudaloso. Retorno a Dom Casmurro, no capitulo “A Inscrição” que pra mim narra a mais bonita carta de amor. Diz assim: “Bento Capitolina”. Mais nada. Coisa alguma precisaria ser dita ou palavra alguma deveria fazer conexão, elogio ao amor, ou atribuição de predicados aos nomes que lá no muro estiveram cravados desde que Machado de Assis desejara escrever tal história. Ou talvez até d’antes: de suas memórias, idealizações, de todo esse molho que compõe o sentido e o valor das cartas e das histórias de amor. Pra se escrever uma carta bonita, portanto, me parece imperativo amar a quem se pretende oferecer tal devoção.
E amar não é verbo hemorrágico que se conjuga na proporção de “estar”, “fazer”, sempre usado em altas medidas. Talvez apenas se ama quando se ama. Explico: talvez o amor seja tão farto que ocupe todo espaço dos outros sentimentos. Mas nem vou divagar. Falemos das cartas de amor, de como se escreve uma para nunca ser esquecido. Talvez você seja daqueles que se vale do exposto na canção “Como nossos pais”, fazendo um roteiro do que dizer:
Não quero lhe falar meu grande amor das coisas que aprendi nos discos
Quero lhe contar como eu vivi e tudo o que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar, eu sei que o amor é uma coisa boa
Mas também sei que qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa
Quero lhe contar como eu vivi e tudo o que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar, eu sei que o amor é uma coisa boa
Mas também sei que qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa
Ou talvez não. Você vai pondo nos versos um cordel de delírios como que interpretando os pensamentos sinuosos a respeito do sujeito amado. E vai tentando contar o que aconteceu de mais cotidiano, e as proporções vão se agigantando, a visão aguça, o paladar atina, tudo parece convergir pra uma conversa à meia luz, no sofá de sua casa. Você está a vontade e parece deslizar as letras no papel até sentir a borda acabar e continuar na outra linha e seguidas vezes faz isso. Essa carta que fluiu, também é igualmente ótima e dá gosto lê-la. Corre e envia, antes que o arrependimento o abata.
Por outro lado, se a tua carta começar dessa forma: “Teu amor acaba de infiltrar-se em mim como uma chuva tépida e encharca-me até o fundo do coração.” Não remeta pra quem lhe despertou a vontade de escrever. Vá fundo, termine um livro, e acabe conquistando milhões de candidatas dispostas a te alagar até o ultimo centímetro do poço. No entanto, se em suas palavras não houverem o brio e o charme de Gustave Flaubert, não ligue, o que vale é o risco, a coragem, a ousadia. Não se esqueça que não é preciso milhões de gotas pra encher um poço, é preciso apenas que uma chuva intensa e demorada o faça. E no fim, sua amada estará a sua espera sentada no sofá, com um vinho e as palavras recortadas sobre a mesa de centro. Pode concluir, você é um homem.
2 comentários:
Nossa!!! Um homem pensar assim: sem dúvida, um tipo em extinção!
Mandar uma carta de amor indica coragem, talvez pos isso homem que é homem o faz. Sortuda daquela que um homem assim conquistar!
Quando me disse que estava preparando novos textos fiquei a espreita... Logo que vi a atualizacao no canto do meu blog corri para cá... Especial o seu texto, e me tocou principalmente porque Machado acabou de me tocar, horas depois que terminei de ler Dom Casmurro foi que encontrei teu texto... Carta é algo muito especial para mim, talvez porque sempre escrevo como se fosse uma carta, destinada a alguem, mesmo que eu ainda nao saiba quem... Parabens amigo! Espero os proximos.. abraço
gilSon alvess
gilsonalvess.blogspot.com
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