Do texto que teria titulo “Clarice Nua”.

Se ainda escrevo é porque nada mais
tenho a  fazer no mundo enquanto espero a morte.
A Hora da Estrela

Eu viria escrever sobre a autora em conto, verso ou prosa. Mas me ponho a pensar, após ter lido de uma fisgada só o romance A Hora da Estrela, sobre o fato da voz de Macabéa ter incorporado uma semelhança postiça ao som de uma amiga que me ligara hoje mais cedo para, talvez, apenas emprestar seu ruído à personagem jeca.

A-HORA-DA-ESTRELA Não será uma critica destinada a essa amiga, pois não por acaso foi ela quem me mostrou vasta obra dessa autora de reveladora expressão. Seria, decerto, um sobreaviso de que minha memória estaria suprindo seus registros com leituras literárias em substituição à realidade que, com esforço, essa cara amiga me segreda. Eu não tenho uma foto nítida da figura, e suas fotos de chat me são altamente imaginativas, o que ao contrário do que se pensa, as tais imagens só excomunga ainda mais minhas raras referencias mentais.

Ela me ligara para dizer que havia visitado o hospital por conta de uma queda no banheiro da própria casa. Imagina você agora o que faria se ouvisse isso e como se não bastasse imaginar, tivesse na imaginação a fertilidade de uma criança boba. Pois então, ao escutar tal episódio exprimi o riso com força quase com brutalidade, sufocava a risada como quem sufoca de almofada o desafeto ululante. Construa na sua mente, amigo leitor, um banheiro todo feito de cerâmica branca, fácil de utilizar com um esplendoroso espaço, embora com a ligeira elevação qual o Box era encaixado. Veja ela, mansamente, dirigindo-se ao chuveiro e tropeçando, toscamente no compartimento de plástico, ou no escovão jogado pelo chão cinzento e esmigalhando as moléculas que caíram depostas feito as moléculas suculentas das carnes de açougue, e o par de olhos castanhos mirando a sarjeta, deixando brotar fios de um grosso sangue.

Passada a frivolidade decorrente da imaginação, façamos uma busca se desfazendo da relação do pouco tempo que houve entre a ligação dessa tal amiga e sua covarde utilização de voz na personagem Macabéa: o hoje. Tentemos se apegar ao fato de que ambas: a sujeita e a personagem têm voz de princesa do nordeste. (E só uso “princesa” para livrar minha cara de ódio vital, posto que a figura é tamanha apreciadora da polidez de palavra, e, por sua vez, fará interpretação metódica, reunindo as palavras de peso e contrabalanceando com os elogios).

marceliacartaxoPois então que se desvende a verdade. As duas são sim, delicadas naturalmente, embora executem no seu vocabulário o destempero. Um verdadeiro malabarismo desajeitado, ensopando as palavras e tornando-as (perdoe!) levemente vulgar (continuo polido, observe!). Queria eu ter o dom de relevar as coisas para agora ter meu pescoço livre da guilhotina. Ainda que para tanto tivesse eu de pesar e contrabalancear. Não. Pensando bem, isto é oficio rabugento de quem acredita em valor supremo de conceitos. Não me dou a essa tarefa. A vida por si só já é um exercício de polidez.

Vou aproveitar o embaraço para revelar à tal figura que a pouco, na leitura, descobri toda a farsa. Ela que diz odiar ostensivamente o romance supracitado, ao contrário, penso, deve gostar em silêncio e talvez no sabor de seu quarto ama, idolatra e quem sabe o vive. Eu encontrei, caro leitor, as passagens que descrevem uma “chuva fininha”, tão chuviscosa quanto as que ela me ofereceu na nossa história real. Que bonito, dona graciosa! Roubando de Macabéa o cenário de seu segundo encontro com o namorado. É fastidioso. É doentio. Tá na página 43. Nem vem que não tem. Já que irá me odiar terei moedas de troco. Eu nunca faria algo de tamanho absurdo, amigo leitor. Hum!

Para que o texto não fique grande, vejo oportuno encerrar minhas palavras premunindo um perdão posterior. Eu te perdôo, obviamente. Sou de uma nobreza indissipável e jamais, em hipótese alguma, me chatearia contigo depois de, involuntariamente, tê-la emprestado em voz, roca e juvenil àquela que não entende nada do mundo; é um pouco desengonçada para o mundo e se impressiona com palavras esquisitas escutadas no radio; mulher de poucas palavras e que não sabe o que é porque pensa que nasceu “assim” e acabado. E a semelhança não se exaure ai. Ainda tem a facilidade tanto de Macabéa quanto da tal amiga de ter sido naturalmente escrita por Clarice Lispector, incluindo a cena da queda desajeitada no piso do banheiro. Mas não me faça descrever de novo...

ILUSTRAÇÃO:
http://www.mulheresdocinemabrasileiro.com/marceliacartaxo.jpg
http://fonteliteraria.files.wordpress.com/2009/08/a-hora-da-estrela-2009.jpg?w=150&h=225

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