Ninguém merece solidão…


“A literatura não evoca em mim inicialmente nem romance nem poesia, mas uma pessoa que na solidão de seu quarto empreende a tarefa de reconstruir seu mundo interior com palavras, e que pretende torná-lo visível para os outros”
Orhan Pamuk
P1010177 Você não ouve em qualquer lugar um sujeito qualquer levantar velozmente, encher os pulmões de ar e prolatar, como num discurso, que seu nome é ninguém e que sim merece a solidão perene, tão brilhantemente descrevida nas tantas canções de Roupa Nova. Isso porque é preciso ser muito corajoso, ter muito fôlego e pensar pouco pra ‘denunciar-se’ com a própria confissão.
Ninguém também pode condenar a forca esse que vos fala, só por usar da besteira de começar um post com um trecho musical. Eu, como tantos autores que caem nessa cilada, não sei pra onde levar a crônica. E a crônica começa a deslizar sobre esse mar de brancura irretocável (que o Word simula), feito uma música nova que nos chega aos ouvidos, com melodia e ritmo envolvente. Embora desconheçamos (eu e os autores que se aventuram) a canção metafórica que esse tipo de crônica representa, ficamos a tatear a letra musical num escuro imenso, sem habilidade nenhuma. Uma tarefa trágica. Musicalmente trágica como um som escapulido diretamente para o céu azul das crônicas mal iniciadas, se é que há um céu que as esperam.
E eu divago... A solidão, tema inconsequente desse recém-nascido post, é um estado muito almejado (espante-se!) pelos sujeitos que vê fora da vida social, um recanto aconchegante, agradável e (porque não?) digno.
Eu conheço muitas pessoas que assinariam em baixo de tudo isso que digo com certo descaramento. Alguns agora mesmo, devem estar se repuxando na cadeira, enquanto lê e esfrega o intelecto tentando descobrir... “será que sou eu?”, mas não me perguntarão nada por aqueles corredores da universidade.
A universidade é um lugar de solidão. Não, quis dizer, lugar de solidões. Muitas, inúmeras, várias. Uma mais profunda que a outra. Algumas magoadas, outras fingidas, algumas provocadas, outras temidas. Aquela praça que parece suspensa entre os módulos povoados, é o encontro de todas as solidões. A menina que lê um livro, vagueando pela história dramática. O rapaz míope que folhea o caderno para espantar a solidão, ou senão, espantar a má solidão. A menina de passos comovidos, arrastando a ‘percata’, querendo somar sua solidão com a solidão do outro menino que, absorvido ao seu tocador, não percebe a agonia das ‘percatas’. Todos eles são sujeitos da solidão, essa quimera. Essa quimera vestida de paraíso para, jeitosamente, puxar a atenção do silêncio, do vazio, do branco perene... Porque o paraíso deve ser silencioso, certo? Ou se não for, que ao menos não tenha gosto de crônica mal iniciada, e que todos os dias sejam como dias de verão, com chuvas fininhas e um entardecer longo e lento.
Cada vez mais, eu percebo que, a solidão é menosprezada, por que ela como sensação de desconexão, é boa. Estado no qual você sente todo seu eu, pulsante, arfante... E onde a completude, pra contrariar toda ideia de dois, se faz presente. É no ‘um’, saudável, que você pode se sentir completo, repleto. Mas isso é pra você que consegue viver bem com a solidão. Coisa que só descobrimos no entardecer de nossas vidas, quando nossa velhice vai aproximando-se vagarosamente do horizonte da vida. É isso que desejo pra todos que merecem (ou não) a solidão. Se for pra ser só, como quem nasce sozinho, puxado abruptamente pra agressão extra-uterina, desejo que seja solitariamente feliz, completo, pleno. Porque é exatamente nesse estado, quando isso for absolutamente possível, você, aliás, nós estaremos completos pra ser duas... Três... Uma família. Apenas quando você identificar sua solidão e aconchegar-se, indiscriminadamente, nela terá a capacidade de sair de dentro de você, abraçar o mundo, e, numa roda de amigos, levantar, velozmente, anunciando num brado profundo: ‘Eu sou ninguém’... E errando o advérbio irá continuar... ’completamente ninguém’.

4 comentários:

Wander Shirukaya disse...

Interessante... ¬¬
Ainda bm q sei bm como lidar com a solidão, minha melhor amiga.

PCN disse...

Fiquei impressionado, não sei ao certo o motivo. Talvez seja porque eu me me vejo muitas vezes na trágica tarefa de prosseguir um texto a partir de uma musica, ou porque eu acabei de falar sobre solidão no meu blog... NÃO SEI.

Só sei que você escreve muito, meus parabéns!
http://papeisriscados.blogspot.com/
o/

Nathy disse...

Estou acostumada com o sentimento de solidão, porém nem sempre sei lidar com ele.

Daiane Ribeiro disse...

Incontáveis foram as vezes que desejei, busquei a solidão... as vezes ela só precisava durar alguns minutos... caminhar sem rumo, sentar-me debaixo d´uma árvore... hoje a minha solidão torna-se cada vez menos opcional, rotineiramente sinto solidão de pais, irmã, amigos... solidão de mim...


Cada vez melhor Bruno.
Tava com saudade disto!