Da fascinante inocência

Não choro por tristeza e nem sorrio só por felicidade. 
Faço graça das pessoas e das suas ingenuidades.
Alexandre Boarro


crianças beijando

Parece petulância falar de inocência enquanto homens e mulheres contam em seus calendários, para festejarem a perda dela, num carnaval, ou num são João ou até mesmo no embalo de sábado à noite. Porém, como prometido a uma graciosa e (talvez ingênua) leitora, o farei. A tal leitora, que merece de mim tal abordagem, pode estar equivocada em escolher a mim, pobre lúcido, para falar de tamanho assunto, do qual a parte que me for possível discorrer será insignificante frente a vastidão que o tema aguenta. Parece-me cruel também essa escolha, já que para tanto, eu carecia ao menos experimentar mais um pouco do assunto para tê-lo na ponta da língua. Todavia, desastrado feito um observador desatento, farei o que me foi pedido, sem muito rodear, o que por si só, já me é desafiador.



A ingenuidade, esse estado de natureza, dotado de tempo de validade, é algo que só, empaticamente, ainda consigo sentir. Minha irmã, criança de três anos, parece ter um bocadinho dela. E como boa portadora, transborda o tal elemento como se tivesse orgulho de mantê-lo e de passá-lo. Tempos atrás, qualquer inocência seria tranquilamente observada, mas falando de tempos modernos teremos que perseguir mais atentos a realidade para, numa criança de três anos, achar com esforços, não sem disfarce, a famigerada inocência cativante.

O Menino do Pijama Listrado parece atrair, com devida propriedade, a atenção desse assunto. A história na qual dois meninos, de etnias diferentes, mantêm uma amizade sob os arranjos da Alemanha de Hitler. Esses meninos, cuja inocência encobre os obstáculos do relacionamento entre um Judeu e um Alemão, são encontrados na aventura de se atribuírem afeto em detrimento ao ódio experimentado pelos seus pais e povos.

Em todo o desenvolvimento do filme, obtemos a fotografia perfeita de uma situação onde “o véu é rasgado” e o ódio apresenta-se como primeira opção. Porém é visível que a descoberta, a consciência do que estava acontecendo, não impediu que eles mantivessem, até o trágico fim, uma amizade intocável.

Outra película que aborda tal assunto, com solene aspecto, é Forrest Gump, estrelado por Tom Hanks, que conta a fascinante aventura de um contador de histórias, especialmente afetuoso, cujo desafio de vida é correr o máximo que puder. E para tal desafio investe toda sua vida e tempo. No decorrer do filme, nos envolvemos com as histórias hilárias e agradáveis contadas pelo protagonista, num banco de praça falando para os transeuntes de um ponto de ônibus. A dócil ingenuidade do personagem central, perceptível a todo instante em sua fala e seus trejeitos é um recurso tanto atraente quanto odiável a depender das decisões tomadas no percurso de sua vida. Começamos a detestá-lo quando defende sua amada, mesmo não tendo-a merecido tal ato, afeto reconquistado no instante sequente quando demonstra, sem reservas, seu amor pela tal moça.

A inocência, que parece tão inapropriada aos moldes de nossa modernidade, já foi critério para fazer laços matrimoniais, alvo de poesias, e (ainda é) relacionado ao sagrado. Para mim, e falo com esperança, ela ainda existe no mundo material, nos olhos da criança que enxerga na vida, uma grande brincadeira; na atitude dos que não priorizam a maldade; talvez, no pedido despretensioso de alguém que quer ouvir um breve relato por mera tolerância ou na tentativa corajosa de quem pretende esboçar uma opinião sobre um assunto que não (mais) domina.

3 comentários:

Caio Rudá de Oliveira disse...

Caro Bruno, fico contente com sua declaração lá no blogue. Muito bom saber que as pessoas nos leem e gostam. Mais vale uma leitura desse tipo do que comentários pequenos.

Uma pena que eu esteja numa vida corrida, sem muito tempo pra atualização nem para conferir as ideias do pessoal. Mas sempre que dá, estou passando.

Um abraço.

Gilson Alves disse...

Inicialmente desejo comentar sobre este seu post.
Acertadíssimo! Interressante ver a óptica que você encherga as coisas... Concordo, apesar que uso um outro código para falar de inocência... Penso em inocência como simplicidade, acho que o fato de ser simples (simples não simplista) é o que dá a veracidade, a delicadeza e a beleza que chamamos de inocência... Usando o seu próprio exemplo: as crianças, como elas são simples, não? Isso as tornam legítimas e amáveis. Se pararmos para pensar é justamente quando complicamos as coisas que a vida se torna difícil e as pessoas mais maliciosas.
Bom, já sou novamente seu seguidor e quero lhe fazer um convite. Tenho uma seção chamada 'filosofamos' no meu blog e gostaria muito que você escrevesse um texto para colocar nela... Se aceitar eu gostaria de lhe sugerir um tema... Aguardo resposta, grande abraço e parabens pela repaginada no blog!

Gilson Alves
http://filosofaram.blogspot.com

Gilson Alves disse...

certo... Mando por esses dias o tema, mas não se preocupe com o tempo... fique a vontade para me mandar quando puder...