Eu, ela e a Felicidade.

10aPara minha doce mãe, Neusa

Minha mãe viajava para buscar o futuro. E eu engolia a seco aquela vontade de dizê-la o quanto os seus biscoitinhos de goma faziam falta quando ela não estava. Começamos essa vida de despedidas muito cedo. Lembro que por volta dos meus seis anos eu chorava descontroladamente para tê-la sempre perto de mim. Era uma angústia seguida de um vazio que arrancava meu sentido de vida, esbaforidamente. Eu temia qualquer ordenação de suas bagagens, inconscientemente, isso agoniava e  não mais conseguia me afastava de debaixo de sua saia. Era uma melancolia precedida de um aperto socado no peito. Uma vontade de morrer pra vingá-la da dor que eu sentia.

A primeira partida fora numa segunda sem graça, como tantas outras segundas que ela me deixou. Estava nublado chovia uma chuvinha fina, igualmente sem graça encontrava-se meu interior, fechado para qualquer maturidade ou compreensão. Ela me avisou com antecipação que viajaria para buscar nossa felicidade. E eu questionava, inconsoláve,  porquê nós não simplesmente esperávamos a nossa felicidade chegar, feito o homem do leite ou a moça da costura. Bastaria apenas que dormíssemos e na manhã cedinho, lá estaria ela enrolada em um saco cinza, cheirando a – inevitável – leite fresco. Ou senão ligaríamos para ela - numa inocência desesperada - e a iludiríamos prometendo sacos polpudos de doces, certamente ela viria – até eu viria, mamãe!! Foi aí que ela me olhou fascinada. Frustradamente fascinada, ela dirigiu suas mãos trêmulas de mãe que precisa mentir para o bem e disse, soluçante, que a felicidade fazia pouco da gente. Ela falava num tom desanimado, numa voz cortante, aguçada, forçosa. "A felicidade não nos quer como companhia e jamais iria vir sem que a bajulasse pessoalmente". Terminava dizendo necessária a viagem, que eu ficaria bem. Afinal, eu era grande o suficiente para entender aquilo. Delegando-me uma maturidade, uma aceitação... que eu... que eu... nem sabia negar. Mas não quis chorar de novo. Falsamente persuadido, deitei sobre seu colo e prometi que se ela trouxesse a felicidade, se ela voltasse rápido sustentando a felicidade nos braços, eu juraria nunca deixá-la fugir de nós novamente. Trancaria a felicidade em mim. Eu e ela jamais estaríamos desacompanhados: Eu, ela e a felicidade.

(Bruno Silva )

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