O mistério de Clara

Trecho Inédito do meu romance:

Era um Hotel antigo, embora sofisticado, cujo dono tinha obsessivo carinho pela cultura francesa. Foi então que calculou, e observando, reparou que eram artistas franceses os desenhados nas paredes do cômodo. Mas porque Ave Maria encontrava-se ali, se não se lembrava do proprietário ser um assíduo cristão ou minimamente isto. Enfim, deixou de lado a distração e buscou no beijo de Clara, um estalo de novas ideias. Puxou a moça, que estava sentada ainda, com as mãos sobre um jornal novo – o cheiro de papel novo era sentido por Antonio a muitos passos de distância. E aconchegou as mãos de Clara sobre o lençol azul estirado sobre as pernas de Antonio e aplicou-lhe um beijo romântico e tridimensional, contrapondo todo seu corpo ao dela.

Clara cedeu ao impulso úmido e freneticamente deitou seu corpo em cima de Antonio, separados apenas pelos lençóis, mas tão próximos quanto possíveis. Clara tinha pés belíssimos. E uma fitinha enlaçada no tendão de Aquiles. Suas pernas, uniformes, macias e levemente bronzeadas nos faz supor que Clara havia praticado a arte das danças e que tinha por hábito receber uma saudável porção de sol por dia. Completamente oposto a Antonio, que além de evitar o sol, nunca tinha se aventurado por dança alguma.

Ainda abraçados, Clara massageava Antonio com seu dorso delineado e fazia curvas espetaculares, ora sugerindo um emaranhado inextrincável, ora uma dança pueril. Ao fim, deitados, cansados, vencidos, Antonio puxou um cigarro da cômoda e começou a fumar. Clara, completamente adequada àquele clima, dos dois, um sobre o braço do outro, olhando o teto e fumando, roubou dele o cigarro por uns instantes, expeliu argolas de fumaça e, tragicamente nua, levantou e ergueu todo seu corpo pra frente e as mãos pra trás. A imagem fez Antonio enfiar seu rosto no travesseiro. Clara era esteticamente linda, suavemente silenciosa e tinha movimentos corporais levíssimos. Ajeitava os cabelos castanhos e sorria. Aliás, Antonio percebeu os cabelos dela um tanto mais crescidos que da noite passada. Quando a perguntou sobre, foi brutalmente calado por uma resposta que se tornaria rotineira.

- você nunca conhece uma mulher por inteira se você não sabe até onde vai seus cabelos e suas intenções. – disse, ávida e parou em frente ao espelho, penteando as madeixas com as costas das mãos.

Antonio não retrucou a frase. Achou elegante e bastava-lhe. E Clara, que ontem era Amália Rodrigues, revelou sua dança. Continuou a pentear os cabelos, ainda mais freneticamente que antes, nua e absorvida por uma musica que só ela cantarolava. E arquejava as deliciosas batatas da perna, para um lado e para outro, e seduzindo, como nunca, o pobre rapaz. Perplexo e absorto, levantou agora Antonio da cama, vestido de cueca de seda branca, e com seu corpo menos bonito que o dela, embora agindo naturalmente. Apertou-a por trás, beijando nela as orelhas e envolvendo a maça carnal que Clara se tornara. Encaminharam-se para o chuveiro, cambaleantes, urgindo de prazer, como se fossem um corpo se despindo de pedaços ligeiros de tecidos. E então a água morna afugentou o calor de ambos e fez-lhe a alegria combalir os rostos suaves e dançantes sob os pingos saltitantes da chuveirada. Começaram então uma valsa. Foi só então que, brutalmente, Clara desligou o chuveiro, buscou a toalha pendurada e empurrou a Antonio, enquanto pronunciava palavras nada emocionadas:
 
- Vá embora.
 
Envolvido pela aura da surpresa, Antonio reagiu estranhando da situação. Não havia motivos para alarde. E a inexpressão de Clara foi dando lugar ao descontentamento, até preencher toda personalidade geniosa de mulher. Como quem recomendava uma sentença, Clara foi sinistra:

- Vá embora. Sem perguntas. Sem respostas. Apenas vá. – disse, quase violenta e possessa.
 
Antonio partiu e foi recuperar na sua própria cama, o sono perdido e as respostas não encontradas em Clara. Quem era aquela mulher? Chamava-se Clara Dores ou Amália Rodrigues? Porque aquele desfecho desamigável? Muitas destas respostas seriam respondidas pelo tempo. Outras, no entanto, permanecerão estiradas no imaginário.

Bruno Silva

0 comentários: